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27 Abril 2022

Discurso de José Manuel Silva nas celebrações evocativas do 48º Aniversário do 25 de Abril

Discurso de José Manuel Silva nas celebrações evocativas do 48º Aniversário do 25 de Abril

Já quase tudo foi dito sobre o 25 de Abril de 1974. Não vou repetir tudo o que de belo já foi hoje aqui referido sobre o 25 de Abril, que subscrevo integralmente. O que falta dizer só será relatado pela História, num futuro certamente ainda distante.

O 25 de Abril, dia em que culminou o longo processo de luta pela conquista da democracia e da liberdade, foi, é e será sempre um dia que merece ser solenizado, por tudo aquilo que de imenso e profundo representa e pelo caminho de liberdade que desbravou, razão pela qual decidimos este ano englobar um conjunto de eventos numa semana recordativa e comemorativa do 25 de Abril, respeitando a protocolaridade que o dia de hoje nos merece.

 

Devemos aos capitães de Abril e ao povo português, o 25 de Abril e a Democracia, que se consolidaram com o sucesso da liberdade a 11 de Março e a 25 de Novembro de 1975, datas que hoje também rememoramos, pois foram cruciais para a consolidação do regime democrático.

 

Para evocar estas memórias, fui à Casa do Cinema de Coimbra ver o filme biográfico de Salgueiro Maia, recentemente estreado, um filme excecional, que reputo de obrigatório, sobre a vida do símbolo mais puro do 25 de Abril. Entristeceu-me o pouco público presente.

 

Como afirmou António Sousa Duarte, autor de uma fotobiografia de Salgueiro Maia, o filme “é uma tentativa de reposição da justiça. Tinha merecido que em vida se tivesse feito algo de simpático. Pouco se fez. (…) Quem designa os heróis não é o Presidente da República, nem o primeiro-ministro, nem os militares e os diplomatas. Ele é herói, porque o povo vê nele um herói, o povo da Esquerda, da Direita, o povo católico, o povo ateu, o povo gordo, o povo magro. São esses que o fizeram como herói” (fim de citação). Honrar o 25 de Abril seria incompleto sem recordar Salgueiro Maia, sem desprimor para tantos outros.

 

Sendo esta a minha primeira intervenção num 25 de Abril como presidente da CMC, entendi reler o programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas, como fonte de inspiração. Confirmei a clarividência e elevação política da sua redação e dos seus princípios, quase integralmente cumpridos. Os seus autores merecem esta nossa menção.

 

Pela sua curiosa atualidade, chamou-me a atenção uma particularidade, que me permito referir. O programa do Movimento preconizava que “o controle de fronteiras será das atribuições das Forças Armadas e militarizadas enquanto não for criado um serviço próprio;”. Este serviço próprio, que deu origem ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, uma criação do 25 de Abril, está agora em processo de extinção por estranhos e políticos motivos, contrariando radicalmente a aclamada afirmação do atual presidente da Assembleia da República quando, muito recentemente e aplaudido de pé, afirmou que “Não há atribuições coletivas de culpa.” Afinal, parece que depende da perspetiva política, pois o SEF foi condenado num deselegante processo de culpa coletiva…

 

É esta dicotomia de avaliação, conforme os interesses circunstanciais e os clubismos políticos, de que este é um singelo exemplo, que mais tem inquinado os últimos e democráticos 48 anos da vida política portuguesa, uma falta de coerência que urge retificar, porque, a múltiplos níveis, mina a essência da democracia e da vida política e a confiança do povo, abrindo caminho aos extremismos. Os extremos políticos radicais e intolerantes só crescem quando falham os responsáveis e os governantes do amplo e policromático espectro político do centro, da mesma forma que a oposição só vence eleições quando quem governa defrauda as expectativas das pessoas.

 

António Arnaut, co-criador do SNS, uma das maiores realizações da Democracia portuguesa, afastou-se da política por não querer participar nem usufruir dos excessos que observou nos “subterrâneos do poder, onde o Sol se faz sombra”, como escreve no seu romance “Rio de Sombras”. Desassombradamente, neste magnífico livro “desvenda alguns meandros da política portuguesa e dá testemunho de um tempo contraditório e bicéfalo, ora promissor, ora angustiante, em que as águas límpidas do sonho de Abril se transmudaram no lodo do desencanto, embora ainda reste uma nesga de esperança…” (fim de citação).

 

A forma mais eficaz de fazer crescer esta esperança, de defender a democracia e de combater os populismos radicais é responder construtivamente aos anseios e às necessidades das pessoas e de impregnar de ética da vida política; temos um longo caminho para andar, na Europa e em Portugal, com um justo equilíbrio entre direitos e deveres. Sente-se um suspiro de alívio com o resultado das eleições francesas, mas, se nada de substantivo mudar, a extrema-direita pode bem vencer as próximas, com todas as catastróficas consequências.

 

Honrar o 25 de Abril é glorificá-lo, sem dúvida nem hesitação alguma, mas também refletir desassombrada e autocriticamente sobre os erros e excessos cometidos nos anos subsequentes. Melhorámos muito, sim, mas devíamos estar muito melhor.

 

Na verdade, lamentavelmente, de acordo com os dados do Eurostat, Portugal, em Paridades de Poder de Compra (PPC), caiu de 78% da média europeia, em 2015, para 74% em 2021, o que significa que, entre os 27 Estados-membros, Portugal desceu da 17ª posição, em 2015, para a 21.ª posição em 2021. Por seu lado, a taxa de risco de pobreza passou de 37% em 1995 para 43,5% em 2020. O que se passa no nosso país, 48 anos depois de Abril de 1974, é preocupante.

 

 

Os cinco grandes desafios que se colocam perante nós são:

 

1 – A melhoria da democracia global no planeta e em Portugal, nomeadamente, no que aqui nos diz diretamente respeito, com uma revisão e atualização da legislação eleitoral autárquica, que temos a obrigação de promover. É fundamental agilizar a municipalização, aprofundar e corrigir os erros e insuficiências da descentralização, promover ativamente a desconcentração de instituições nacionais, que Portugal não é só Lisboa e Porto, e, posteriormente, numa fase mais madura, trabalhar responsavelmente a regionalização.

 

2 – A defesa do meio ambiente e a aposta na literacia verde, essencial para mitigar a catástrofe climática que se avizinha, com milhões de mortos por causas climáticas. Entre outras medidas, é urgente reduzir drasticamente o consumo de combustíveis fósseis.

 

3 – Cuidar mais e melhor das pessoas, sem racismos nem xenofobias, cultivando a educação, a solidariedade e a equidade, respeitando o mais violado de todos os nossos princípios constitucionais, plasmado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, o princípio da igualdade.

 

4 – Promover um desenvolvimento sustentável, harmonioso e esclarecido, com um elevado sentido de coesão territorial, quer a nível nacional, quer internacional, e dar realmente um sentido concreto à expressão “não deixar ninguém para trás”.

 

5 – Reformar a Justiça e combater a corrupção, elementos-chave do Estado de Direito. Com uma Justiça mais célere e transparente, o desenvolvimento do país pode acelerar.

 

Estamos a claudicar em todos estes desafios.

 

A guerra na Ucrânia, com cenários que pensávamos impossíveis na Europa do século XXI, com a destruição massiva de cidades e aldeias e o assassínio deliberado de milhares de inocentes civis, devido à ilegal invasão do seu território pela Rússia, uma Federação imperialista, ditatorial, corrupta e que apoia movimentos de extrema-direita em todo o mundo, é o sinal do falhanço da Humanidade nestes desafios. Lamentavelmente, a ONU é uma organização completamente disfuncional e ineficiente, a carecer de uma urgente reforma, e os países mais desenvolvidos têm sérias responsabilidades no que se passa, pois fecharam os olhos às atrocidades cometidas pelo exército russo em vários países, basta recordar a martirizada Alepo, e mantiveram os negócios milionários que alimentaram a máquina de guerra russa. Comprar petróleo e gás manchados de guerra é o mesmo que comprar diamantes de sangue.

 

A Federação Russa, que certamente todos condenam, precisa urgentemente do seu 25 de Abril, como todas as outras ditaduras deste mundo. Não é admissível que se prendam pessoas apenas porque se manifestam contra a guerra, uma guerra, quase fratricida, com um inequívoco agressor e um agredido, que está a originar graves consequências e a levantar enormes dificuldades económicas e financeiras, piores que a pandemia, ao nosso exercício de gestão autárquica.

 

Neste tumultuoso mar de dificuldades que atravessamos, sem esquecer que os ucranianos, com quem somos solidários, estão bem piores do que nós, há inúmeras questões que temos de resolver a nível autárquico, desde o processo e financiamento adequado da descentralização ao maior investimento público fora das duas áreas metropolitanas, até à concretização de vários projetos no concelho de Coimbra, eternamente adiados, que me dispenso de elencar porque sobejamente conhecidos.

 

A boa relação atualmente existente entre todas as instituições de Coimbra, que a Câmara tem a obrigação de cultivar e que aqui saúdo, é fundamental para alcançarmos os nossos objetivos coletivos, permitindo construir as pontes e as soluções mais adequadas a cada caso. Para isso trabalhamos também ativamente com a CIM de Coimbra, com a CCDRC e outras instituições de carácter regional e nacional. Vamos recolocar Coimbra no lugar que merece e que corresponde ao enorme potencial deste concelho.

 

Nesta ocasião, tenho de voltar a falar da ADSE, assunto a que voltarei repetidamente até que o mesmo seja resolvido. É escandaloso que as autarquias financiem a ADSE em cerca de 70 milhões de euros por ano, pois são obrigadas a pagar as despesas em saúde do regime livre e convencionado dos seus trabalhadores, apesar dos descontos que a ADSE recebe, um tema de que sucessivos Governos fogem com o mesmo temor com o que o diabo foge da cruz, pois a sua resolução obriga a uma profunda reforma da ADSE.

 

O cúmulo do patético é que, como já abordei anteriormente, enquanto é a ADSE que paga as despesas de saúde dos assistentes técnicos e operacionais que foram transferidos para a tutela das Câmaras no âmbito da descentralização da educação, os novos trabalhadores que já são contratados pelas Câmaras para as mesmas funções nas Escolas são tratados de forma diferente. Relativamente a estes, não obstante descontarem os mesmos 3,5% para a ADSE, são as Câmaras que pagam parte das suas despesas em Saúde! Este inaceitável e inconstitucional burlesco prejudica gravemente o poder local! O orçamento do Município de Coimbra é esbulhado em 1,5 milhões de euros por ano pelo DL 118/83, de 25 de fevereiro, republicado pelo DL 234/2005, de 30 de dezembro.

 

Numa altura em que as Câmaras estão financeiramente asfixiadas pelos efeitos da pandemia, que foram agravados por um conjunto de medidas erradas, exageradas e sem fundamentação científica, saúdo estarmos finalmente sem máscaras, algo que podia e devia ter acontecido há alguns meses atrás, uma crise acentuada pelas tremendas consequências económicas e sociais da guerra na Ucrânia, pelo subfinanciamento da descentralização e pelos abusivos pagamentos da ADSE, é tempo da ANMP defender mais assertivamente o poder autárquico e exigir urgentemente medidas adequadas e compensatórias, que permitam que as autarquias cumpram os ideais de Abril.

 

Depositamos as maiores esperanças no diálogo com o Governo que agora tomou posse, o XXIII da era democrática. Há muito para mudar e melhorar. Contamos com o Governo, da mesma forma que o Governo pode contar connosco. A primeira audiência que solicitámos, posso revelá-lo, é para tentar resolver a injustiça remuneratória que pesa sobre os nossos motoristas dos SMTUC.

 

Encaramos o futuro com confiança democrática, continuando a conduzir o processo de melhoria contínua do funcionamento da máquina da administração local, trabalhando em equipa com a inexcedível colaboração dos nossos funcionários, abrindo a Câmara aos munícipes e investidores, definindo estratégias modernas, desenvolvendo novas parcerias, afirmando Coimbra em todos os palcos.

 

Temos esperança no futuro, com a plena consciência de que a concretização dessa esperança depende da intensidade, da qualidade e da ética do nosso trabalho.

 

Viva o 25 de Abril. Viva Coimbra. Viva Portugal.

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